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Entre a Lousa e o Caos: A Realidade Ignorada dos Professores


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“Você só dá aula ou você trabalha?”


“Professor de inglês não precisa estudar, é só falar a língua.”


“Fulano não fala inglês, mas eu a coloquei como professora do maternal porque não precisa saber falar com criança.”


“Aula de inglês é só passar filme e dar música.”


“Prefiro professor nativo.” “Professor vive na mamata, tem feriados escolares e 2 meses de férias.”


Essa são apenas algumas das atrocidades que eu ouvi nos meus 20+ anos de experiencia como professora. Só diz isso quem nunca teve o cuidado de prestar atenção em nenhum professor que teve na vida. Simples assim!


As horas são longas, jornadas duplas, as vezes triplas.  Muito, muito trabalho feito nos feriados e finais de semana, correções, planejamentos, provas, projetos, lidar com diários de classe, documentação pedagógica, lançar notas... gasta muito mais do que os 10% do querido adicional extraclasse. E como se não bastasse, ainda temos que ser mãe, psicóloga e enfermeira de muitos de nossos alunos.


Na minha trajetória já ensinei 5° ano a usar garfo e faca, já peguei doenças que só criança pega, quebrei a mão porque tropecei em mochila no meio da passagem, já acudi cortes e acidentes dos mais estranhos – tipo uma língua partida; já tive que sentar e acolher filhos de pais se separando, avós que se foram, brigas com namorados, fulaninho que não gosta de mim e não quer mais brincar comigo. E a vida pessoal?  Professor não tem o direito de ter uma TPM, uma noite mal dormida, perder familiares, amigos, brigar com o marido. Professor de cara fechada, ou triste? Final de carreira!


Tudo isso pelo “farto e abundante” salário de professor. E depois questionam a falta de bons professores no mercado, ou ainda mais, a falta de jovens que se interessam pela carreira. Por que será??


Nos últimos 2 dias eu recebi as seguintes manchetes:


·       Professora idosa é espancada por família de aluno de sete anos.

·       'Ela está inconformada', diz diretor sobre professora esfaqueada por alunos do 7º ano em Caxias do Sul


...e a pergunta que ecoa é: até quando?


Até quando vamos aceitar a naturalização da violência contra professores, a desvalorização da docência e o abandono por parte das instituições? Ser professor hoje é resistir todos os dias. Resistir ao descaso, ao desrespeito, à precarização da profissão e à invisibilidade social que a acompanha.


A profissão docente está sendo sucateada. E não é força de expressão. É um processo contínuo de negligência que começa com os baixos salários e vai até a total falta de respaldo em situações críticas. Professores estão adoecendo física e emocionalmente, pedindo exoneração, abandonando a sala de aula em busca de outras oportunidades — e, com razão. Porque não há vocação que resista à exploração disfarçada de “missão”.


Enquanto isso, os discursos oficiais seguem romantizando a docência. Dizem que “ensinar é um ato de amor”, mas se esquecem que amor nenhum paga boleto. E quando o professor reclama? Ah, é ingrato. Porque na cabeça de muitos, ainda reina a ideia ultrapassada de que educar é um “dom” — como se estudar anos, pagar por formação contínua, se atualizar, investir do próprio bolso em materiais, livros e cursos fosse algo secundário.


A verdade é que ninguém quer enxergar o colapso.


As escolas — especialmente as públicas, mas não só — estão virando zonas de guerra emocional. Pais que terceirizam a educação dos filhos, mas exigem resultados perfeitos. Alunos que, empoderados pela impunidade e pela falta de limites, desafiam, agridem e humilham seus professores sem medo de consequências. E um sistema governamental que fecha os olhos e ainda cobra que façamos “mais com menos”.


Não é à toa que muitos profissionais da área estão exaustos, deprimidos, à beira do burnout. E quando adoecem? São vistos como fracos, incapazes. Afinal, quem mandou escolher ser professor, não é mesmo?


Mas deixa eu te contar uma coisa que ninguém diz: é impossível ter qualidade na educação sem respeito a quem educa.


Não dá para esperar excelência de quem é tratado com desprezo. Não dá para formar cidadãos críticos, empáticos, criativos e humanos em um ambiente onde os próprios professores são desumanizados.

 
 
 

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